Entendendo a Glicose no seu Sangue
- Plinio von Zuben Jr

- há 5 dias
- 4 min de leitura

Receber o resultado de um exame de sangue pode ser um momento de certa ansiedade. Percorremos a lista de nomes e números, buscando a tranquilidade de ver tudo dentro da normalidade. E então, um valor se destaca: a glicose em jejum, marcando 101 mg/dL. A mente, quase que instantaneamente, pode acender um alerta, associando o número ao pré-diabetes ou a falhas nos hábitos de vida. Mas é preciso respirar fundo. Este número, especialmente quando surge como um elefante branco no meio de uma manada cinzenta, é menos um veredito e mais um mensageiro, um convite para uma compreensão mais profunda do nosso corpo.
Essa semana uma aluna passou exatamente por isso então a explicação que dei a ela gostaria de compartilhar aqui em forma de artigo pois mais gente pode se deparar com esse mesmo cenário em algum momento da vida. Também é uma boa oportunidade para você compartilhar com alguém que possa se beneficiar dessa leitura!
Um valor de glicose entre 100 e 125 mg/dL após um jejum de 12 horas é tecnicamente chamado de "glicemia de jejum alterada". É uma "fotografia" do seu açúcar no sangue naquele exato momento. Contudo, essa fotografia não conta a história inteira. Imagine que, junto a esse resultado, seu exame de hemoglobina glicada (HbA1c) veio perfeitamente normal. A glicada não é uma foto, mas sim um "filme" que mostra a média dos seus níveis de açúcar nos últimos dois a três meses. Ter um filme bom, com uma fotografia ligeiramente alterada, é um sinal muito positivo. Sugere que, na maior parte do tempo, seu corpo está gerenciando a glicose de forma excelente, e aquele 101 mg/dL foi, muito provavelmente, uma flutuação pontual.
Mas o que poderia causar essa flutuação em alguém que já se cuida, que tem bons hábitos alimentares e pratica exercícios? A resposta, muitas vezes, não está no prato de comida, mas nos pilares invisíveis que sustentam nossa saúde: o sono e o estresse. Vivemos em um mundo que glorifica a produtividade e nos mantém em um estado de alerta quase perpétuo. Esse estresse crônico, seja por prazos no trabalho ou preocupações pessoais, ativa em nosso corpo uma resposta ancestral de "luta ou fuga". Para nos preparar para a ação, as glândulas suprarrenais liberam os hormônios cortisol e adrenalina. Eles agem como um alarme para o fígado, ordenando que ele libere a glicose que estava cuidadosamente estocada. O resultado é um aumento do açúcar no sangue, uma energia que, no contexto moderno, raramente é gasta em uma fuga real, ficando apenas a circular pelo corpo (sim… isso acontece! Deixei alguns artigos de referencia logo no final desse artigo).
Essa resposta, conhecida como hiperglicemia de estresse, é um mecanismo de sobrevivência evolutivamente preservado, projetado para fornecer combustível rápido ao cérebro e ao sistema imunológico em situações de ameaça física aguda.
Contudo, os estressores crônicos e psicológicos da vida moderna ativam essa mesma via ancestral sem que haja a correspondente demanda por gasto energético, o que pode levar a um estado prejudicial de excesso de glicose.
O sono, nosso momento sagrado de reparo e regulação, exerce um poder igualmente imenso. Uma única noite mal dormida, com sono interrompido ou insuficiente, é um estressor físico para o organismo (leia os artigo sobre sono no nosso blog). O corpo, sentindo-se agredido, aumenta a produção de cortisol. Mais do que isso, a privação de sono tem um efeito direto e rápido na forma como nossas células respondem à insulina. Elas se tornam temporariamente mais resistentes, como se fizessem uma pequena greve. A insulina, que é a chave que abre a porta das células para a entrada da glicose, encontra a fechadura mais rígida. Com a porta mais difícil de abrir, a glicose se acumula do lado de fora, na corrente sanguínea. Essa combinação de mais glicose sendo liberada e maior dificuldade para ela ser guardada pode facilmente explicar por que, ao acordar, seu exame de jejum apresentou aquele valor limítrofe.
Entender esses mecanismos nos permite traçar os próximos passos com calma e clareza. O primeiro, e indispensável, é a conversa com seu médico. Ele é o profissional capacitado para analisar o quadro completo, considerando seu histórico, outros fatores como predisposição genética ou uso de medicamentos, e decidir se há necessidade de repetir os exames ou realizar outros, como o teste de tolerância oral à glicose, para observar como seu corpo reage ao açúcar em tempo real.
Enquanto isso, este é o momento ideal para uma autoavaliação gentil. Este resultado não é uma falha, mas uma resposta valiosa. É o seu corpo comunicando que, talvez, a atenção precise se voltar para a qualidade do seu descanso e para a forma como você gerencia as tensões do dia a dia. A solução pode não ser uma dieta mais restritiva, mas sim estabelecer algumas outras prioridades em relação aos pilares que sustentam nossa saúde e bem estar. Talvez um ritual de "higiene do sono” ou momentos diários de gerenciamento do estresse. Pode não ser sobre se exercitar mais, mas sobre encontrar uma atividade que também acalme a mente, como uma caminhada na natureza ou a prática de ioga.
Em suma, um valor de glicose discretamente elevado em um cenário de saúde globalmente bom é um lembrete de que somos seres integrais. Nossa saúde metabólica não é ditada apenas pelo que comemos, mas é profundamente influenciada por como dormimos, como sentimos e como vivemos. Acolha essa informação não com medo, mas com curiosidade, e use-a como um catalisador para fortalecer todos os pilares que sustentam o seu bem-estar.
Referências





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