Seu Corpo é Água! H3O2?
- Plinio von Zuben Jr

- 14 de nov.
- 7 min de leitura

Hidratação:Emagrecimento e Performance Baseado em Ciência
Desde os primórdios da vida, a água tem sido o elemento mais essencial para a sobrevivência. Para o ser humano, essa verdade é incontestável: somos, em nossa essência, seres hídricos. A água constitui a maior parte do nosso peso corporal e está intrinsecamente ligada a todas as funções fisiológicas, desde o pensamento até o movimento. No entanto, a hidratação é frequentemente subestimada, vista como uma simples recomendação em vez de um pilar fundamental da saúde.
Este artigo, fundamentado em publicações científicas, mergulha fundo na ciência da hidratação. Exploraremos sua importância crítica para a saúde geral, seu papel surpreendente no emagrecimento, as recomendações para o dia a dia e para a prática esportiva, e os fascinantes mecanismos cerebrais que controlam a sede e que, por vezes, a confundem com a fome.
Nossos Órgãos Vivem de Água
Para compreender a importância da hidratação, é preciso primeiro visualizar o quão dependente nosso corpo é da água. Um estudo clássico de H.H. Mitchell, publicado no Journal of Biological Chemistry em 1945, revelou a surpreendente composição hídrica de nossos órgãos vitais, dados que permanecem como referência na fisiologia moderna.
O corpo de um adulto é composto por cerca de 60% de água, mas essa distribuição não é uniforme.
Órgão/Tecido | Porcentagem de Água 1 |
Pulmões | 83% |
Rins | 79% |
Músculos | 79% |
Cérebro | 73% |
Coração | 73% |
Pele | 64% |
Ossos | 31% |
Esses números demonstram que o funcionamento ótimo dos sistemas que nos mantêm vivos — o respiratório, o neurológico, o cardiovascular — está diretamente atrelado a um estado de hidratação adequada. A água não é apenas um componente passivo; ela é o meio no qual ocorrem todas as reações bioquímicas essenciais à vida.
Novas Perspectivas Científicas para a Água
Tradicionalmente, pensamos na água como H₂O, uma molécula simples que preenche espaços e transporta substâncias. No entanto, pesquisas emergentes têm revelado que a água em sistemas biológicos pode ser mais complexa do que imaginávamos. O Dr. Gerald Pollack, professor de bioengenharia na Universidade de Washington, propôs uma teoria controversa mas intrigante sobre uma "quarta fase da água", que ele denominou água de zona de exclusão (EZ water, do inglês exclusion zone).
Segundo Pollack, próximo a superfícies hidrofílicas — como membranas celulares, proteínas e tecidos — a água formaria uma camada estruturada diferente da água comum. Esta camada teria propriedades únicas, incluindo a capacidade de excluir partículas e solutos, e uma estrutura molecular que alguns pesquisadores descrevem como H₃O₂, embora essa fórmula permaneça altamente debatida na comunidade científica.
Uma revisão crítica publicada no International Journal of Molecular Sciences em 2020 examinou as evidências para este fenômeno. Os autores confirmaram que a existência da zona de exclusão foi independentemente demonstrada por vários grupos de pesquisa, mostrando que há, de fato, uma camada de água próxima a superfícies hidrofílicas onde microesferas são repelidas.
No entanto, a revisão também destacou que a extensão e a natureza exata dessa reestruturação permanecem controversas. O consenso atual é que o ordenamento da água interfacial existe, mas é limitado a apenas algumas camadas moleculares (1-2 nanômetros), e não constitui uma fase radicalmente diferente com fórmula H₃O₂ estável.
O que essa pesquisa sugere é fascinante: a água em nosso corpo não é uniforme. Nas interfaces entre células, proteínas e membranas, a água pode assumir propriedades estruturais que facilitam a comunicação celular, o transporte de íons e a estabilidade de biomoléculas. Embora ainda não possamos afirmar categoricamente que existe uma "água biológica" com estrutura H₃O₂, a ideia de que a água atua como um fluido conectivo — integrando e facilitando interações entre todas as estruturas corporais — está ganhando atenção científica.
Hidratação para a Saúde
A água atua como o principal solvente e sistema de transporte do corpo, sendo crucial para:
•Transporte de Nutrientes e Oxigênio: Leva nutrientes vitais e oxigênio para as células.
•Regulação da Temperatura Corporal: Através do suor, o corpo consegue dissipar calor e manter sua temperatura estável.
•Eliminação de Resíduos: É fundamental para a função renal, ajudando a filtrar o sangue e excretar toxinas e subprodutos metabólicos pela urina.
•Lubrificação de Articulações: Atua como um lubrificante, amortecendo as articulações e permitindo movimentos fluidos.
•Meio para Reações Bioquímicas: Todas as reações metabólicas ocorrem em meio aquoso.
As consequências da falta de água são rápidas e severas. Um estudo publicado na revista Physiology & Behavior destaca que, enquanto um ser humano pode sobreviver semanas sem comida, a ausência de água pode ser fatal em questão de dias. Uma perda de apenas 1-2% do peso corporal em água já é suficiente para comprometer a função cognitiva e física.
O Centro da Sede e a Confusão com a Fome
O controle da hidratação é uma tarefa tão crítica que o cérebro possui um sistema de monitoramento altamente sofisticado, cujo comando central está no hipotálamo. Esta pequena, porém poderosa, estrutura cerebral abriga o que é conhecido como o "centro da sede".
Dentro do hipotálamo, existem células especializadas chamadas osmoreceptores. Elas monitoram constantemente a concentração de solutos no sangue. Quando você perde água e o sangue se torna mais concentrado, esses receptores disparam um sinal que o cérebro interpreta como a sensação de sede, motivando-o a beber.
Curiosamente, o hipotálamo também regula a fome. Como os sinais de sede e fome são processados na mesma região cerebral, eles podem, por vezes, ser mal interpretados. É comum que os primeiros sinais de desidratação — como fadiga, irritabilidade e dificuldade de concentração — sejam confundidos com fome. Antes de buscar um lanche, uma estratégia eficaz é beber um copo de água e esperar alguns minutos. Muitas vezes, a "fome" desaparece, pois era, na verdade, o corpo pedindo por hidratação.
Hidratação e Emagrecimento
Beber mais água é uma das recomendações mais comuns para quem deseja perder peso, e a ciência oferece um suporte robusto para essa prática. O principal mecanismo por trás desse efeito é a termogênese induzida pela água.
Um estudo revolucionário publicado no The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism em 2003 demonstrou que beber 500 ml de água aumentava a taxa metabólica dos participantes em impressionantes 30%. O efeito começava em 10 minutos e atingia o pico entre 30 e 40 minutos depois.
Os pesquisadores estimaram que aumentar a ingestão de água em 1,5 litros por dia poderia levar a um gasto energético extra de aproximadamente 17.400 calorias ao longo de um ano, o que equivale a cerca de 2,4 kg de gordura.
Um estudo posterior, publicado no Journal of Clinical and Diagnostic Research, confirmou esses achados em indivíduos com sobrepeso, que, ao beberem 1,5 litros de água a mais por dia durante 8 semanas, apresentaram uma redução significativa no peso, no índice de massa corporal (IMC) e na composição de gordura corporal.
Os mecanismos propostos incluem:
1.Aumento do Gasto Energético: A ingestão de água ativa o sistema nervoso simpático, que acelera o metabolismo.
2.Metabolismo de Gordura: A água é essencial para o processo de lipólise, a quebra das moléculas de gordura para serem usadas como energia.
3.Supressão do Apetite: Beber água, especialmente antes das refeições, aumenta a sensação de saciedade, levando a uma menor ingestão calórica.
Potencializando a Performance
Para atletas, a hidratação não é opcional, é um fator determinante da performance. A desidratação é uma das principais causas de queda de rendimento, fadiga e aumento do risco de lesões. Um estudo publicado no Journal of Human Kinetics revisou os efeitos da desidratação na performance de força e potência, concluindo que:
Uma desidratação de 2% do peso corporal já é suficiente para prejudicar a performance em exercícios de resistência. Níveis de hipo-hidratação podem atenuar a força em aproximadamente 2%, a potência em 3% e a resistência de alta intensidade em cerca de 10%.
Durante o exercício, o corpo perde fluidos principalmente através do suor, que pode variar de 0,5 a mais de 2 litros por hora, dependendo da intensidade, duração e condições climáticas. As recomendações para atletas incluem:
•Pré-Hidratação: Iniciar o exercício em um estado de hidratação ótima, bebendo cerca de 500 ml de fluidos nas 2 horas que antecedem a atividade.
•Durante o Exercício: Consumir fluidos regularmente (ex: 150-250 ml a cada 15-20 minutos) para repor as perdas e evitar um déficit superior a 2% do peso corporal.
•Pós-Exercício: Repor os fluidos e eletrólitos perdidos para otimizar a recuperação.
Recomendações … Quanto Beber?
Não existe um número mágico que sirva para todos. A necessidade diária de água varia conforme idade, sexo, nível de atividade física, clima e dieta. A famosa recomendação de "8 copos por dia" (cerca de 2 litros) é um bom ponto de partida, mas não uma regra universal.
É importante lembrar que a hidratação não vem apenas da água pura. Alimentos como frutas, vegetais e sopas contribuem significativamente para a ingestão total de fluidos. Em dietas ricas nesses alimentos, a necessidade de beber água pode ser menor.
A melhor forma de monitorar a hidratação no dia a dia é observar a cor da urina: ela deve ser clara, de um tom amarelo-pálido. Urina escura e com odor forte é um sinal claro de desidratação.
A hidratação adequada é uma das intervenções de saúde mais simples, baratas e eficazes disponíveis. As pesquisas científicas continuam a revelar novas facetas sobre como a água funciona em nosso corpo — desde sua estrutura molecular em interfaces biológicas até seus efeitos metabólicos no emagrecimento. Tratar a água como o nutriente essencial que ela é pode transformar sua saúde, otimizar sua composição corporal e elevar sua performance a um novo patamar.
Referências
[1] Mitchell, H.H., et al. (1945). The chemical composition of the adult human body and its bearing on the biochemistry of growth. Journal of Biological Chemistry, 158(3), 625-637.
[3] McKinley, M.J., & Johnson, A.K. (2004). The physiological regulation of thirst and fluid intake. News in Physiological Sciences, 19(1), 1-6.
[4] Boschmann, M., Steiniger, J., et al. (2003). Water-Induced Thermogenesis. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, 88(12), 6015-6019.
[8] Pollack, G.H. (2013). The Fourth Phase of Water: Beyond Solid, Liquid, and Vapor. Ebner & Sons Publishers.





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